4º FM CONNECTION
Eis que não poderia ter havido tema mais oportuno para levarmos o FM Connection, pela primeira vez, à cidade considerada capital ecológica do Brasil. Estamos falando de Curitiba, capital de fato do estado do Paraná, que, entre outros encantos, possui mais de 45 parques e bosques públicos. Conhecida pela tradição de inovar por meio de soluções inteligentes, a “terra das araucárias” sediou a quarta edição de nosso evento, inédito até então no sul do país, com uma super seleção de especialistas em edificações sustentáveis. Foi no auditório Regina Casillo, do Solar do Rosário, que arquitetos, engenheiros, empresários, advogados e pesquisadores receberam nossa plateia de inscritos.
Após terem feito menção e agradecimento aos quinze patrocinadores e apoiadores do encontro, os idealizadores Ana Machado e Fernando Carrasqueira apresentaram o robozinho mascote do FM Connection, “recém-nascido” e batizado de “Conecta” para, como o próprio nome já diz, conectar as pessoas em torno do bem. E uma dessas iniciativas de conexão também foi lançada naquele momento: o “1º Prêmio Estudantil FM Connection” sobre o tema “sustentabilidade”, convidando os interessados paranaenses a submeterem seus projetos e ideias à comissão julgadora, com resultado a ser divulgado no próximo FM Connection a ocorrer em Curitiba, em 2024.
Antes dos primeiros palestrantes subirem ao palco, foi dada a palavra ao artista plástico Cesar Juliani, dedicado ao design sustentável a partir do reaproveitamento de peças de madeira descartadas. Aproveitando que o público era formado por profissionais do mundo corporativo, ele fez questão de deixar um recado pertinente a tudo o que seria discutido lá: “como nosso planeta é um só, com recursos finitos, todo material que eu utilizo já existe no pátio da sua empresa, podendo perfeitamente ser transformado. Daí um apelo para que nós retiremos nossas ações do papel para pô-las em prática, porque já entramos no período de esgotamento global”. E é disso também que vamos tratar!
O ar que se respira nas salas de aula
A primeira palestra da tarde foi de um pesquisador antenado às questões de meio ambiente e saúde pública. O professor Weeberb Réquia, da Fundação Getúlio Vargas (FGV) de Brasília e membro da Sociedade Brasileira de Meio Ambiente e Controle da Qualidade do Ar de Interiores (Brasindoor), falou sobre “a importância da qualidade do ar interno em ambientes de aprendizado”.
De acordo com ele, estudantes passam mais de dez mil horas em escolas até concluírem o ensino médio, instituições essas que, muitas vezes, possuem baixa qualidade do ar dentro de suas salas de aula: “em nossos estudos, verificamos como as escolas brasileiras estão expostas a fontes de poluição e descobrimos que cerca de dez milhões de alunos estão matriculados em unidades localizadas em áreas com alta concentração de poluentes atmosféricos.”
O problema torna-se ainda mais grave pelo fato de estar associado não apenas à saúde, mas ao desempenho acadêmico de crianças e adolescentes. Dados revelados pelo pesquisador apontam que as próprias notas do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) são indicativas dos reflexos de má qualidade do ar: “cada aumento de 10 µg/m3 (microgramas por metro cúbico) de MP2,5 (material particulado inalável) está associado à redução de até 5,58 pontos na nota do ENEM, da mesma forma que cada aumento de 10 ppb (partes por bilhão) de NO2 (dióxido de nitrogênio) está associado à redução de até 76,48 pontos nessa nota”.
Para chegar a esses números, a equipe coordenada pelo professor Weeberb utilizou informações do ENEM agregadas por escola, num total de 25.390 centros de ensino, entre os anos 2000 e 2020. Com as referências de poluição monitoradas por satélite, o modelo estatístico teve controle de efeito individual por escola, considerando condições socioeconômicas da região etc.
“E agora, José?”
Na busca por soluções, o professor recomendou medidas como o uso de purificador de ar nas salas de aula, instrumentos de ventilação e filtração para elevar as taxas de renovação atmosférica, e, para além dos muros, criação de áreas verdes e adoção de políticas de transporte urbano e de controle de emissão de gases – tudo isso, claro, acompanhado pelo monitoramento constante da poluição do ar.
Sem querer alarmar, “mas já alarmando”, Weeberb Réquia destacou que uma em cada dez mortes no planeta está relacionada direta ou indiretamente à poluição atmosférica que, segundo ele, mata mais do que acidentes de trânsito, malária e AIDS em todo o mundo. Entre os problemas de saúde ocasionados, citou doenças respiratórias, como asma e câncer de pulmão, males circulatórios, relacionados a estresse oxidativo e a aumento de pressão arterial, diabetes e várias enfermidades do sistema neurológico, como depressão, mal de Alzheimer e, como mote da palestra, queda da capacidade cognitiva. Por isso, a luta pela qualidade do ar que respiramos não pode parar.
As edificações onde se habita e trabalha
Na sequência, foi a vez da palestra de velho participante do FM Connection: o advogado e diretor-executivo do Green Building Council Brasil (GBC), Felipe Faria. Acompanhado, dessa vez, pela conselheira do GBC, Virgínia Sodré, ele celebrou o ritmo acelerado de empreendimentos em busca de certificação sustentável no Brasil: “em 2022, mesmo num cenário de instabilidade política e econômica, registramos recorde histórico de 209 novos projetos buscando essa certificação. Agora, em 2023, estamos registrando um projeto novo a cada dia útil do ano, indicando que estamos prestes a superar o número do ano passado”.
A conselheira Virgínia Sodré focou nas construções Zero Água e nas estratégias que uma consultoria hídrica pode apontar para eficiência e economia no consumo: “quando nós falamos de água, nós falamos de infraestrutura e, até 2019, não existia a ABNT 5626 para garantir segurança hídrica e sanitária. E nós buscamos soluções sustentáveis para o nosso edifício, ao mesmo tempo em que olhamos para o todo da bacia hidrográfica. No segmento residencial, por exemplo, 40% do consumo de água ocorre pelo banho, e atitudes bem simples, como a troca por chuveiros inteligentes, já podem reduzir esse consumo em até 20%”.
Arquitetura regenerativa
Outro convidado foi o presidente da Associação Brasileira dos Escritórios de Arquitetura (AsBEA), na regional do Paraná, Frederico Carstens. Entusiasta do conceito da “casa viva”, aposta que materiais orgânicos ainda irão prevalecer nos projetos: “é como já temos hoje alguns concretos com capacidade de se autorreconstruir em suas fissuras ou materiais orgânicos que fazem o tratamento hídrico, de esgoto. Num outro exemplo, imagine as células fotovoltaicas que produzem energia. Nada mais são do que uma grande traquitana que faz um monte de buracos para criar alguma tecnologia para transformar energia solar em elétrica. Agora, se nós tivéssemos uma tinta com características da fotossíntese, que não se desgasta, não teríamos que nos preocupar, daqui a alguns anos, com o destino de todo esse lítio que estamos utilizando”.
Outro conceito defendido pelo arquiteto foi o de design harmônico, no qual, segundo ele, reside a força da sustentabilidade: “se criarmos empreendimentos para uma pessoa simplesmente entrar e usar, estamos pensando apenas no objeto. E temos que criar estruturas que confiram sentido à vida das pessoas, fazendo com que elas possam se olhar e se regenerar, para além da regeneração de água e energia. Porque, se nós deixarmos um planeta totalmente sustentável, mas com as pessoas se matando, ele não servirá de nada. Mas se tivermos um monte de gente que se ama, se esse planeta aqui acabar, e o Elon Musk colocar essa galera num foguete rumo a outro lugar, nós iremos prosperar”.
A sustentabilidade nossa de cada dia
Como nas outras edições de FM Connection, as apresentações foram encerradas por uma mesa-redonda. Sobre o tema “Boas práticas em Real Estate: como isso se conecta à sustentabilidade no dia a dia?”, cinco convidados compartilharam seus pontos de vista e experiências. Quem começou foi a Diretora América do Sul de Real Estate da Volvo Indústria Automotiva, Fernanda Favoreto:
“Nosso objetivo não é só o produto, mas a instalação também. Então, temos a meta de redução em 30% do consumo de água até 2030 e as áreas comuns ou de Real Estate estão na nossa mira. Outra meta de redução envolve combustíveis fósseis, pois pretendemos nos tornar fossil free até 2040 e já substituímos boa parte de nossos equipamentos e veículos de serviço por unidades elétricas. E temos também o objetivo de reduzir nosso consumo e aumentar em 75% a reciclagem e o reaproveitamento de nossos resíduos”.
O CEO da Kucca Solutions, especializada em soluções integradas para empresas, Alexandre Teixeira, reforçou, entre outros assuntos, a importância da gestão de espaços: “tivemos casos de mães que precisavam levar seus filhos pequenos para o trabalho e daí optamos por criar ambientes para atender àquela demanda, impactando na decisão delas de permanecer na empresa e na produtividade. Ao enxergar que o escritório não é mais um local aonde todos vão obrigatoriamente, há que impetrar movimentos de atração”.
O sócio-diretor da empresa de engenharia que leva o seu sobrenome, Guido Petinelli, apresentou seu portfólio com prédios brasileiros certificados LEED: “nós ajudamos nossos clientes a melhorar o desempenho de seus empreendimentos e chegar aonde ninguém chegou antes. E nosso objetivo é fazer ‘pegar no tranco’ o setor da construção civil, que representa 10% da economia global e avançou muito pouco nos últimos trinta, quarenta anos, se comparado ao agronegócio”.
O CEO da MilliCare Brasil e Vice-presidente do Plano Nacional de Qualidade do Ar Interno (PNQAI), Paulo Jubilut, usou números referentes à higienização de superfícies têxteis para demonstrar sua atuação sustentável: “por conta de processos errados de manutenção, nós temos o mito de que o carpete é gerador de doenças respiratórias, quando, na verdade, pesquisas científicas já comprovaram que ele é muito melhor que piso frio porque retém o material particulado inalável; só há que fazer sua higienização correta”.
Encerrando as falas, o Gestor de Novos Negócios, William Padilha, fez uma releitura de sua ação: “antigamente, no Grupo Ambiensys, facility focava só nestas três áreas: gestão de resíduos, gestão de água e efluentes e energia renovável. Agora, entrou um quarto ponto: a descarbonização. E no que tange ao lado financeiro, sustentabilidade tem que caber no bolso, porque, se não couber, estará sendo sonhada e não praticada”.
Esforço coletivo pelo ar que respiramos
A partir do trecho de uma música da saudosa Rita Lee, gravada há quase 50 anos, “no ar que eu respiro, eu sinto prazer de ser quem eu sou, de estar onde estou”, podemos imaginar tudo o que o ar nos inspira, com perdão do trocadilho. Daí, o trabalho conjunto de investigação da qualidade do ar por instituições como a Associação Brasileira de Refrigeração, Ar Condicionado, Ventilação e Aquecimento (ABRAVA), o Plano Nacional da Qualidade do Ar Interno (PNQAI) e a Sociedade Brasileira de Meio Ambiente e Controle de Qualidade do Ar de Interiores (Brasindoor).
Com base nas pesquisas do Professor Weeberb Réquia, falando ainda do contexto educacional, um diagnóstico para a maioria dos centros de ensino brasileiros é de problemas relacionados à qualidade do ar nas salas de aula: “conduzimos um estudo de inventário da qualidade do ar dentro das escolas e verificamos que em torno de quatro milhões de estudantes no Brasil estão matriculados em instituições com possíveis problemas de qualidade do ar”, revelou o educador.
Uma estatística que, não à toa, vem mobilizando esforços inclusive da Brasindoor, entidade sem fins lucrativos fundada em 1995, que congrega cerca de 50 associados entre pessoas físicas e jurídicas do meio técnico-acadêmico. Segundo o seu atual presidente, o engenheiro civil Leonardo Cozac, que também preside o PNQAI e representa a ABRAVA, “a Brasindoor é o braço científico no Brasil de pesquisas relacionadas à qualidade do ar. Com isso, nosso propósito é recolher o que a academia pesquisa e descobre sobre o tema e trazer para a indústria, para a realidade, para a sociedade.”
No caso propriamente das escolas, Cozac alega que há certas evidências que as pessoas tendem a normalizar de forma equivocada: “vivemos numa estrutura social em que pais levam filhos para estudar e eles voltam doentes, com a ‘famosa’ virose, e todos acham normal – ‘ah, meu filho pegou na escola, onde está todo mundo gripado!’ – como se isso fosse aceitável. Não é! Não se pode acatar essa incidência no mundo atual quando temos diversas maneiras de evitar esse tipo de cenário, que impacta o aprendizado, a presença do aluno.”
Uma das formas de intervir nessa rotina começa pela construção e acabamento dos espaços. No 1º Fórum Brasindoor Escolas, ocorrido no mês de julho, Leonardo Cozac lembra que “recebemos um arquiteto de grandes escolas particulares do Brasil que mostrou projetos maravilhosos, mas afirmou que, entre os mais de 70 profissionais envolvidos na edificação de uma escola, num projeto que dura de um e meio a dois anos, ninguém pensa em qualidade do ar na sala de aula, não existe esse item no checklist de preocupações.”
Fato que chama a atenção de Paulo Jubilut, vice-presidente do PNQAI e CEO da MilliCare Brasil, empresa multinacional de limpeza e higienização de superfícies têxteis “porosas”, como carpetes, persianas, divisórias e estofados. Paulo, que também é vice-presidente de Marketing Institucional da Brasindoor e foi coordenador do 1º Fórum Brasindoor Escolas, é um profissional certificado pelo Institute of Inspection Cleaning and Restoration Certification (IICRC) e, do alto de sua experiência em manutenção de revestimentos e com base nas pesquisas que vem acompanhando, revela ser fundamental que arquitetos e lideranças em geral tenham conhecimento dos melhores e mais saudáveis materiais na hora de projetar e decorar ambientes. Quanto à escolha do piso, por exemplo, estudos já fizeram cair por terra o mito de que o carpete seria acumulador de patógenos e ácaros:
“O próprio Guia ABRITAC, que lançamos em parceria com a Associação Brasileira das Indústrias de Tapetes e Carpetes, em 2021, desconstrói essa crença equivocada. Há dados, inclusive, que foram levantados na Universidade de Bombaim, na Índia, que comprovam que o vírus da covid-19 consegue viver oito dias em superfície impermeável, três dias em superfície porosa e duas horas em superfície porosa-papel. Então, o carpete, o tecido no ambiente indoor, é um excelente revestimento para contribuir com a qualidade do ar, desde que seja mantido corretamente”, explica Jubilut.
Falar de piso e outros tipos de revestimento, de estratégias para fazer o ar circular ou ser renovado e de outras medidas para combater o risco, sobretudo, de doenças respiratórias é imperativo para nossos convidados. E, como diz a canção com a qual iniciamos o texto, “agora só falta você”!